Matéria extraída do
site do Tribunal Regional do Trabalho da
2a Região
SOBRE O PROFESSOR CESARINO JÚNIOR
27/03/2007
Discurso da juíza Vânia Paranhos, do TRT-2, realizado durante reinstalação do quadro de Cesarino Júnior na Sala da Advocacia no Fórum Trabalhista.
Foi com grande emoção que aceitei o convite feito pela Prof.ª
Marly Cardone para homenagear o Prof. Cesarino Júnior na solenidade
de reinstalação de seu quadro com fotografia e placa correspondente.
Consta do registro de memórias do Tribunal Regional do Trabalho da
2.ª Região, que o Presidente à época, Dr. Homero
Diniz Gonçalves, através da Portaria SPE 136, de 3 de março
de 1971, em reconhecimento à contribuição do Prof. Cesarino
para o ensino e difusão do Direito do Trabalho, seja pelo exercício
do cargo de professor da disciplina – cuja função desempenhou
com invulgar brilho e capacidade, seja pela elaboração de várias
e preciosas obras dedicadas a esse ramo do Direito, resolveu atribuir seu
nome à Sala dos Advogados então existente no edifício
onde funcionavam as antigas Juntas de Conciliação e Julgamento,
na Avenida Ipiranga, n.º 1.225.
Nada mais justa a homenagem.
Tive o privilégio de ser sua aluna e como todos sabem foi um dos primeiros
a exigir estágio dos alunos junto a Justiça do Trabalho, Sindicatos,
Delegacia Regional do Trabalho, Departamento de Pessoal de empresas, órgãos
de Previdência Social, para que a visão teórica do direito
fosse complementada pelo contato com a realidade.
Como ressalta a Prof.ª Marly Cardone “em tudo considerava que sempre
era possível fazer o melhor. Introduziu no seu Departamento o ensino
da redação de pequenas monografias, tarefa na qual os alunos
entravam em contato com variada bibliografia e tinham a experiência
de expor suas idéias em classe, sempre com a orientação
dos assistentes. Inquietamente queria sempre melhorar, embora ouvisse de seus
colegas: ‘Mudar para quê?’ O conservadorismo dos demais
o deixava isolado a ponto dele repetir zombeteiramente: ‘Na Congregação
sou o líder da oposição, isto é, o líder
de mim mesmo’. Costumava dizer: ‘A maioria age pela lei do mínimo
esforço, a minha é a do máximo esforço’.
Nesta linha controlava a lisura das assinaturas nos livros de freqüência
e a honestidade nas provas”. Era considerado rigoroso, mas justo, pelos
alunos, inclusive em termos de postura.
O Prof. Cesarino nasceu em Campinas em 1906 e faleceu em 1992, aos 86 anos.
Seu primeiro desafio foi entrar no Colégio “Culto à Ciência”,
escola de prestígio, onde seu pai trabalhava como bedel, o que significou
uma vitória diante de uma forte barreira social que era a entrada de
negros naquela escola criada pela e para as elites.
Embora não tenham sido poucas as dificuldades financeiras enfrentadas
pela família de Cesarino Júnior, conseguiu ele estudar direito
no Largo de São Francisco, onde se formou em 1928, aos 22 anos.
Sua trajetória de vida mostra as significativas posições
alcançadas tanto no meio profissional, político e social.
Em 1928, prestou concurso para o Ginásio do Estado (anteriormente “Culto
à Ciência”) para a cadeira de História Universal.
No entanto, a conquista desta cadeira teve, como barreira, as articulações
da banca examinadora que favorecia outro candidato, apesar de Cesarino Júnior
ter obtido melhores notas. Ele, então, recorreu do resultado, provocando
a realização de novo concurso, no qual foi aprovado.
Após transferir-se para o Ginásio do Estado da Capital, voltou
à Faculdade de Direito para fazer o curso de doutorado (1933 e 34),
obtendo o título de Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais
pela Universidade de São Paulo. Em seguida, tentou, pela primeira vez
o concurso para livre docência na mesma faculdade, porém sem
êxito.
Com a transferência da Faculdade de Direito, que era federal, para a
USP e a criação da cadeira de Legislação Social
surge a oportunidade tão esperada de tornar-se professor da Faculdade
de Direito do Largo de São Francisco, o que só veio a ocorrer,
porém, em 1939, quando foi nomeado professor catedrático de
Legislação Social da Faculdade de Direito da Universidade de
São Paulo, com a tese “Natureza Jurídica do Contrato Individual
de Trabalho”, onde lecionou por quase quarenta anos.
Por considerar insuficiente o espaço oferecido pela Universidade, fundou
em 1939 o Instituto de Direito Social - IDS, formando durante muitos anos
os “Técnicos em Direito Social”, especialistas de nível
médio para departamentos de pessoal ou repartições públicas,
tendo colaborado inclusive na criação do SESI, redigindo a lei
que o instituiu e atuando como diretor de seus cursos populares por muitos
anos.
Em 1946 decidiu prestar novo vestibular para ingressar na Escola Paulista
de Medicina, formando-se médico em 1952, ao mesmo tempo em que exercia
atividades de advogado, jurisconsulto e professor.
Fundou com seus colegas europeus, em 1958, a “Societé Internationale
de Droit de Travail et de la Sécurité Sociale”, que realiza
ainda hoje estudos comparativos de Direito Social em Congressos regionais
e mundiais.
Já na década de 1960, o Prof. Cesarino, em plena maturidade
intelectual, defendeu, com sucesso, tese para a cátedra de Instituições
de Direito Social para a Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas
da USP, sendo nomeado professor catedrático dessa instituição,
onde lecionou até sua aposentadoria compulsória.
Também nessa época, através do programa “UNITRA
– Universidade para Trabalhador”, fez cursos itinerantes pelo
interior de São Paulo exclusivamente para trabalhadores, em geral nos
sindicatos.
Paralelamente às suas atividades docentes na USP, o Prof. Cesarino
exerceu a advocacia, principalmente do trabalho, tendo oferecido grande contribuição
com suas publicações já que, à época de
sua aposentadoria tinha uma obra de 27 livros, inúmeras teses e quase
duas centenas de trabalhos publicados.
Não se pode, também, deixar de mencionar sua passagem pela política,
já que no ano de 1945, inspirado nos ideais de Konrad Adenauer, na
Alemanha, e de Alcides de Gasperi, na Itália, o Prof. Cesarino, juntamente
com outros companheiros, entre eles Tristão de Athaíde, fundaram,
na Cidade de São Paulo, no “Theatro Municipal”, aos 9 de
julho, o PDC – partido Democrata Cristão.
Conta-se que o professor Cesarino Júnior, após a fundação
do Partido Democrata Cristão, recebeu um insólito convite para
apoiar a candidatura do General Eurico Gaspar Dutra à Presidência
da República, pelo PSD, bem como a do candidato da UDN, Brigadeiro
Eduardo Gomes, sob a promessa de sua oportuna indicação para
ocupar a pasta do Trabalho, tendo ele repudiado a proposta.
Decepcionado com a ética adotada pelos candidatos, Cesarino Júnior
decide abandonar a militância política, no entanto, ainda receberia
mais à frente o convite de Hugo Borghi do PTN para retornar como candidato
a deputado federal, convite esse que relutou em aceitar, porém, mais
uma vez decepcionou-se com as pichações espalhadas em muros
da cidade fazendo alusões à cor de sua pele, sendo essa a última
tentativa do ilustre Mestre para participar da vida política do país.
A Prof.ª Marly Cardone, que também foi aluna do Prof. Cesarino,
conta que o Mestre ficou ao lado dos alunos que não aderiram ao Golpe
Militar de 1964 e que chegou a ser perseguido pelo DOPS; e mais: que quando,
no início de sua carreira, pediu para a direção da escola
uma sala para atender aos alunos e teve seu pedido negado, não teve
dúvida em alugar um pequeno escritório na Praça da Sé
para recebê-los. Depois de algum tempo, foi-lhe concedida uma sala,
que agora leva seu nome.
Não há como deixar de citar a vitoriosa carreira internacional
do Prof. Cesarino: representou o Brasil na Organização Internacional
do Trabalho (OIT) por três mandatos, além de participar de inúmeros
Congressos Internacionais, em Trieste, Bruxelas, Lyon e Estocolmo.
Em 1954, organizou e presidiu o I Congresso Internacional de Direito Social
e em 1982, foi eleito presidente da Sociedade Internacional de Direito do
Trabalho e Segurança Social.
Criou, também, a Academia Paulista de Direito, em 1972, cuja finalidade
era fazer estudos de alta indagação jurídica, sendo que,
durante sua presidência, a mais complicada teoria jurídica era
capaz de transformar em linguagem acessível: enquanto alguns complicavam
para se valorizar, ele sempre explicava.
É curioso observar que o rendimento econômico ou político
de suas ações nunca lhe interessou, apenas o social, sendo que
a maior parte das pessoas que trabalharam com ele se deixaram empolgar pelo
seu idealismo e trabalharam pela “causa” que, “se não
conheceram exatamente qual era”, como relata a Prof.ª Marly Cardone,
intuíram que era a causa “social”, sempre aquela que visava
ao “bem comum”.
Lembra, ainda, a Prof.ª Marly Cardone que o Prof. Cesarino Júnior
“jamais aceitou uma demanda que não fosse moralmente justa e
nunca usou de seu prestígio para recomendar a um juiz uma causa sua,
pendente de julgamento. Dizia: “Com juiz só se fala por petição”.
Em memorável discurso pronunciado na Faculdade de Direito da Universidade
de São Paulo, em 13 de agosto de 2003, quando da inauguração
da Sala e do quadro-retrato do Prof. Cesarino Júnior, ressaltou o Dr.
Ari Possidonio Beltran ter sido ele o jurista responsável pela sistematização
do Direito do Trabalho brasileiro, elevando-o à condição
de ciência jurídica em ramo independente e autônomo.
Relembrando algumas de suas lições, Dr. Ari Possidonio Beltran
afirma que jamais existiu verdadeiramente a controvérsia da terminologia
“Direito do Trabalho ou Direito Social. “Para Cesarino Júnior
‘Direito Social’. Para muitos, ‘Direito do Trabalho’,
ante o postulado de que ‘Todos os direitos são sociais’.
“Todavia, o ‘Social’ a que se referia, tinha o escopo de
contrastar com a vertente individualista do direito apregoado pela Revolução
Francesa, significando, pois, o ‘Social’, ‘a predominância
do interesse coletivo sobre o individual’ (“Direito Social Brasileiro”,
Rio e São Paulo, Freitas Bastos, Ed. 1957, p. 17).
“Como repetia em suas aulas, e como constante de sua notável
obra “Direito Social Brasileiro”, o Direito do Trabalho seria
social por excelência, o mais social dos direitos.
A afirmação de que ‘Legislação Social’
(entendia que nosso ordenamento considerava tal expressão sinônima
de ‘Direito Social’) corresponde ‘ao conjunto de medidas
legais e regulamentares visando a proteção dos assalariados,
de um modo particular, e de um modo geral, de todas as pessoas economicamente
débeis’, corresponde às bases da Teoria da Hipossuficiência.
O uso da terminologia Direito Social parece ser mesmo o entendimento da doutrina
mais moderna, sobretudo a escola francesa.
Também nesse sentido a Constituição Federal de 1988,
afirma em seu art. 6.º que: “São direitos sociais a educação,
a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência
social, a proteção à maternidade e à infância,
a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.
Relata, ainda, o Prof. Ari que a Constituição Federal trata
em seu art. 7.º, de forma exaustiva, dos direitos dos trabalhadores,
para, apenas no art. 22, “I”, encontrarmos a expressão
“Direito do Trabalho”.
Como podemos perceber, o Prof. Cesarino Júnior foi inovador em suas
idéias, influenciando inclusive os doutrinadores mais modernos, bem
como o legislador Constituinte. Foi precursor de importantes teses que, pela
sua originalidade e valor social, continuam atuais, de larga aplicação
no Direito do Trabalho, em especial a Teoria da Hipossuficiência e a
aplicação do Princípio Protetor ou de proteção.
Não podemos nos esquecer, ainda, que o primeiro livro de Direito Processual
do Trabalho foi escrito pelo Prof. Cesarino Júnior, em 1942.
O Prof. Antônio Ferreira Cesarino Júnior foi, a meu ver, um professor
emérito, um grande educador cujas lições influenciaram
gerações de estudantes e de profissionais, lições
essas que nunca foram um exercício de retórica ou a transmissão
de proposições teóricas, sem compromisso com a prática.
Parafraseando a severa advertência do Padre Vieira, nunca admitiu ser
daqueles pregadores que pregam apenas para os ouvidos e não para os
olhos, pois o que fez e viveu mostra que tudo aquilo em que disse acreditar,
o direito, a justiça, a liberdade, a dignidade humana foi honrado em
sua prática.