Biografia

PROF. CESARINO JÚNIOR: UM NOME QUE FALTOU NO PORTAL DO FÓRUM TRABALHISTA

por Emeric Lévay


Inúmeras homenagens foram prestadas em sua memória, no Brasil e no exterior, merecendo especial destaque a atribuição de seu nome à sala onde lecionou durante tantos anos, quando da comemoração do centenário do "Centro Acadêmico XI de Agosto" (2003), acompanhada da inauguração do retrato de seu patrono, em presença do diretor da Faculdade, Professor Eduardo César Silveira Vita Marchi, que presidiu a cerimônia, prestigiada por inúmeros amigos e familiares do ilustre homenageado.

Cinco anos após a morte do fundador da cadeira de Direito do Trabalho, a princípio denominado "Direito Social", a professora Irene Maria Ferreira Barbosa obteve o título de doutor em antropologia na Universidade de São Paulo com a tese, dada a lume em 1997, sob o título "Enfrentando Preconceitos", em que a eminente pesquisadora do Centro de Memória - Unicamp, formada em ciências sociais pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas, refaz a luminosa trajetória da vida de Antonio Ferreira Cesarino Júnior, do berço humilde à cátedra da prestigiosa Faculdade do Largo de São Francisco.

O importante estudo enfatiza os percalços enfrentados pelo biografado, filho do bedel do Ginásio do Estado de Campinas, antigo "Culto à Ciência", a partir dos primeiros passos do aluno nesse tradicional estabelecimento de ensino, onde se tornaria, em substituição aos doutores César Bierenbach e José Augusto César, lente catedrático de "História Universal", em memorável concurso (1929), um ano depois de haver colado grau na Faculdade de Direito do Largo São Francisco.

Em 1934, transfere-se para a Capital, a fim de assumir a cadeira de História da Civilização, antes exercida pelo Cônego Valois de Castro, no Ginásio do Estado de São Paulo, hoje denominado "Presidente Roosevelt", logrando obter lisonjeiro êxito no ensino dessa disciplina, mediante utilização de quadros sinóticos e a comunicação audiovisual, absolutamente novidade pedagógica àquela época.

Nos umbrais da faculdade

A presença do jovem professor em São Paulo, permite que ele freqüente o curso de doutorado no período de 1933 e 1934, em melhores condições que enfrentara no passado, o que não ocorreu durante o curso de graduação, concluído em 1928, na "Turma do Centenário", às voltas com exames de segunda época, por residir, então, no Rio de Janeiro, como revisor do "Jornal do Comércio".

Posteriormente, com a criação da cadeira de Direito Social, no currículo da Faculdade, Cesarino Júnior conquista brilhantemente a cátedra em 1938 com a tese "Natureza Jurídica do Contrato Individual de Trabalho", seguindo-se a publicação do livro, que se tornaria um clássico no gênero - "Direito Social Brasileiro" - em que ele estuda "o mais social dos direitos", compreendendo o sistema legal de proteção dos economicamente fracos ("hipossuficientes").

No desempenho de suas elevadas funções de professor, a par do rigor no ensino da disciplina - Direito do Trabalho - Cesarino Júnior estimulava no espírito dos alunos o gosto pela pesquisa através do famoso "Seminário" implantado ao lado da sala de aula, no 3º andar da Faculdade, onde os alunos garimpavam informações acerca da matéria lecionada, inclusive na hemeroteca existente nessa seção, sem prejuízo de outras atividades complementares como estágio junto às duas Varas de Acidente do Trabalho, a fim de conhecer, melhor, a aplicação do Decreto Lei nº 7.036, de 10 de novembro de 1944, no que tange ao cálculo das indenizações devidas ao acidentado, além de breve estágio, de cunho obrigatório, numa das Juntas de Conciliação e Julgamento, da Justiça do Trabalho.

O ex-aluno José Antunes de Oliveira, da turma de 1948, escreve: "O professor Cesarino Júnior era frequente às aulas, comparecendo rigorosamente vestido, e enérgico no trato com os estudantes, mas com lhaneza e respeito aos jovens do curso, nunca se negando a qualquer esclarecimento sobre a matéria que dominava de forma brilhante".

Além de temido, gozava a fama de ser, com Alexandre Corrêa (catedrático de direito romano), como anotou Célio Debes, em suas apreciadas "Evocações da Turma Acadêmica de 1950", - "o mais rigoroso e inflexível dos professores".

Enfrentando novos desafios

Em plena maturidade intelectual, Cesarino Júnior viu-se nomeado professor da Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas da USP (1948), tendo conquistado uma cátedra nesse estabelecimento de ensino superior em 1960. Pouco antes, em 1946 decide prestar novo vestibular para ingressar na Escola Paulista de Medicina, que era particular, como o é ainda hoje, para não tirar a oportunidade de outro estudante, em escola pública e gratuita, abrindo mão de qualquer privilégio, como estudante, visto que durante o curso teve de eliminar duas matérias em segunda época: microbiologia e farmacologia, como refere sua biógrafa Irene Maria Ferreira Barbosa (op. cit. pág. 204).

Poliglota, dominava fluentemente o francês, o italiano, como também o inglês e o alemão, expressando-se nesses idiomas em congressos internacionais, na difusão de sua doutrina, como ele próprio referiu, implicitamente, ao receber na Faculdade de Direito, já aposentado por imperativo da lei, o título de "Professor Emérito" (1978), após ouvir a saudação eloqüente do Prof. Irineu Strenger, que traçou o perfil do ilustre homenageado, cuja vaga fora ocupada pela doutora Nair Lemos Gonçalves em 1976 na condição de primeira mulher titular das Arcadas.

Coube a Cesarino Júnior, ainda, a glória de haver fundado, juntamente com eminentes juristas de São Paulo a Academia Paulista de Direito, por ocasião do sesquicentenário da fundação dos cursos jurídicos no Brasil (1972), do qual se tornara o primeiro presidente, a fim de congregar todas as entidades ligadas ao direito, com o escopo primordial de valorizar a cultura jurídica, sob o lema "jussum quia justum jus"(o direito é obrigatório porque justo).

Na seara da política

Neto de um antigo militante do Partido Republicano Paulista, Cesarino Júnior funda em 1939 o Instituto de Direito Social com vista à defesa dos mais fracos, chegando a propor ao deputado e futuro Ministro do Trabalho Alexandre Marcondes Filho a criação de um partido político de âmbito nacional - União Cultural Brasileira - sem, contudo, lograr a concretização deste ideal, em face de inúmeros entraves por parte dos interventores do Presidente da República, nos estados da Federação, motivo pelo qual, na companhia de outras personalidades animados pelo mesmo pensamento, resolve fundar o Partido Democrata Cristão, tocando-lhe o encargo de organizar o programa político dessa agremiação, cuja instalação solene verificou-se no Teatro Municipal de São Paulo, no dia 9 de julho de 1945, data evocativa da eclosão da Revolução Constitucionalista de 32.

Consta que o professor Cesarino Júnior logo depois desse evento recebeu, na qualidade de presidente do referido partido político, insólito convite para apoiar a candidatura do PSD, General Eurico Gaspar Dutra, à presidência da República, bem como a do candidato da UDN, Brigadeiro Eduardo Gomes, em troca de sua oportuna indicação para ocupar a pasta do Trabalho, no futuro governo federal, tendo ele repudiado a proposta sob alegação de que concedera ampla liberdade a seus correligionários, no tocante a escolha dos deputados à Constituinte de 46.

Decepcionado com a ética adotada pelos candidatos, cuja escolha, em sua opinião, não consultava os verdadeiros interesses da Nação, Cesarino Júnior resolve abandonar a militância política, sendo acompanhado neste processo, por seu filho Nelson Luís, em quem o pai depositava fundada esperança.

Não obstante, ainda seria assediado por parte de outros políticos, como Hugo Borghi do PTN para retornar à política como candidato a deputado federal, que aceitou, com alguma relutância, embora se mostrasse durante a campanha eleitoral chocado com as pichações espalhadas em muros da cidade alusivas à cor de sua pele ("não vote em branco, vote em Cesarino Júnior"), tendo sido esta, ao que parece, a derradeira tentativa do saudoso mestre para participar da vida política do país.

Em câmara ardente

O professor Cesarino Júnior faleceu aos 86 anos, no dia 10 de março de 1992, sendo o seu corpo velado no Salão Nobre da Faculdade de Direito, e sepultado, na tarde do dia seguinte, no Cemitério São Paulo, em Pinheiros, com expressivo acompanhamento de ex-alunos, funcionários e colegas de magistério.

Inúmeras homenagens foram prestadas em sua memória, no Brasil e no exterior, merecendo especial destaque a atribuição de seu nome à sala onde lecionou durante tantos anos, quando da comemoração do centenário do "Centro Acadêmico XI de Agosto" (2003), acompanhada da inauguração do retrato de seu patrono, em presença do diretor da Faculdade, Professor Eduardo César Silveira Vita Marchi, que presidiu a cerimônia, prestigiada por inúmeros amigos e familiares do ilustre homenageado.




Texto do falecido Desembargador Dr. Emeric Lévay, que foi coordenador do Museu do Tribunal de Justiça de São Paulo, professor de direito da Universidade Mackenzie e membro da Academia Paulista de História, publicado em 06 de maio de 2004 no site www.ultimainstancia.com.br